A COMUNIDADE DE BUENAS VISTAS/BOLÍVIA – RIO GUAPORÉ

MEMÓRIAS QUE ENVOLVEM A VIDA RIBEIRINHA NA FRONTEIRA

Por Zuila Santos

Buenas Vistas é uma comunidade ribeirinha boliviana que se desenvolveu a partir de pontos comerciais construídos em palafitas, à margem do Rio Guaporé na fronteira do Brasil com a Bolívia. Essa comunidade está localizada em frente ao porto de embarcações do município de Costa Marques em Rondônia.

COMUNIDADE DE BUENAS VISTAS/BOLÍVIA NA MARGEM DIREITA DO RIO GUAPORÉ ( ARQUIVO PESSOAL AUTORA)

COMO BUENAS VISTAS SURGIU?

Em uma viagem de campo ao município Costa Marques, realizada em 2018, conhecemos algumas das famílias mais antigas e ainda moradoras do comércio em Palafitas, construído em território boliviano. A partir das conversas informais que realizamos no local foi possível conhecermos um pouco da história das 50 famílias que ali viviam. Relatos da vida cotidiana desses comerciantes informais da cidade ribeirinha boliviana em palafitas.

Parte dessa conversa será aqui contada, revelações que mostram as ações de um grupo de imigrantes que ao serem expulsos do Brasil não se intimidaram, não se curvaram as imposições, resistiram e foram à luta para garantir a continuidade das atividades que realizavam na fronteira e a sobrevivência dos seus familiares. Em nossa narrativa preservaremos a identidade da nossa informante, assim optamos em usar o nome fictício de Mina.

Segundo Mina, em 1991 muitas famílias bolivianas moravam na cidade de Costa Marques, ali trabalhavam vendendo os produtos importados que vinham pela Bolívia, ou seja, roupas, brinquedos, perfumaria, eletroeletrônico, enfim os famosos “chinguilingues”. As crianças bolivianas eram atendidas pelas escolas brasileiras e alguns homens e mulheres bolivianos, para ajudar no sustento da família, trabalhavam na diária, em serviços como assistente de pedreiro, marceneiro, atividades no campo, serviços domésticos entre outros. E assim, brasileiros e bolivianos conviviam na cidade de Costa Marques.

No entanto, conforme relatou Mina em junho de 1991 à Polícia Federal passou a proibir a venda dos produtos importados e expulsou da região os bolivianos que não possuíam documentos legais para permanecerem em território brasileiro.  Mina, relata com muita tristeza esse episódio, “Nossas mercadorias foram apreendidas, perdemos tudo! Eles nos deram o prazo de 1 dia para sair do país. Não tínhamos como trabalhar e não tínhamos onde morar”.

Foram tempos difíceis, mas o marido de Mina decidiu cruzar para o lado Boliviano e ali, onde rio Guaporé faz uma curva em seu curso, ele decidiu construir sua morada e fincar seus sonhos!

Na manhã do dia 06 de agosto de 1991 a senhora Mina juntamente com seu marido, filhos pequenos e mais seis famílias bolivianas cruzaram de barco para à margem boliviana, subiram no barranco e ali fincaram no chão arenoso um mastro de bambu com a bandeira boliviana, cantaram o hino e assim, em uma pequena cerimônia marcada por lágrimas, indignação e incertezas, foi demarcado o território onde eles iriam viver a partir daquele momento.

Naquele mesmo dia, no período da tarde, eles buscaram todos os seus pertences em solo brasileiro e levaram através dos pequenos barcos para o lado boliviano. Enquanto um grupo cuidava da travessia dos pertences de cada família, outro construía pequenas cabanas com bambu para que as famílias passassem à noite.

Segundo Mina, ao questionar seu marido sobre o nome que eles dariam à nova comunidade, ele respondeu: – Ya que desde arriba de este barranco podemos tener uma buena vista de la ciudad de Costa Marques, va a llamar Buenas Vistas!

A partir desse fato a comunidade foi se desenvolvendo, outras famílias bolivianas se juntaram ao grupo de pioneiros e a comunidade cresceu. Mina e seu marido, assumiram a liderança política da comunidade e conseguiram junto ao governo boliviano a implantação de uma escola para atender às crianças e jovens da comunidade, e a implantação do escritório da marinha boliviana para controle e policiamento local.

A foto abaixo traz em destaque a loja que foi construída pela família da senhora Mina, ali eles vendem seus produtos para os turistas que vão à Costa Marques, e servem pratos e salgados da culinária boliviana.

Nas fronteiras a vida pulsa hora em harmonia, hora em desequilíbrio. As nações impõem seu limites, controlam, defendem, normatizam, proíbem mais ali há vidas!! Vidas que se unem, se aproximam e sonham sonhos comuns em prol de um mundo melhor. Ser fronteiriço é viver histórias que se entrelaçam, é abrir novos caminhos, novas possibilidades para o bem viver dos diferentes grupos culturais. Diferentes por suas identidades, mas todos iguais, todos humanos!!

A LUDICIDADE REPRESENTADA PELOS MAPAS MENTAIS DE ALUNOS RIBEIRINHOS NA REGIÃO DE FRONTEIRA BOLIVIANA

Por Gislaina Rayana Freitas dos Santos


Convido vocês a conhecerem as principais atividades lúdicas representadas pelos mapas mentais de crianças e jovens ribeirinhas que vivem às margens do rio Mamoré na fronteira do Brasil com a Bolívia. Destacamos que os mapas mentais são considerados, segundo a teoria de Kozel (2005), como uma linguagem impregnada de significados e valores sociais que refletem a realidade ou vivência social do indivíduo. Nesse sentido, os Mapas Mentais aqui apresentados trazem um recorte das principais práticas lúdicas realizadas por crianças das comunidades “San Roque”, “Barranco Colorado” e “San Lorenzo”, momentos de lazer e interação que fazem parte da vida ribeirinha.

O Mapa Mental 01 foi produzido por uma criança de 14 anos de idade, do sexo feminino, moradora da cidade ribeirinha de San Roque na Bolívia, apresenta várias cenas. No centro do desenho está a criança brincando com bola, ela disse que é futebol, no entanto, ela não está no campo de futebol e esse campo não possui mais crianças. No cenário superior está sua casa com uma árvore e seus frutos. No cenário inferior está o caminho para ir para casa e um carro, logo abaixo está outro caminho de deslocamento que é o rio.

Richter  (2011) acrescenta que os mapas mentais materializam as interpretações, os olhares, as reflexões, os avanços, as relações, os limites, as experiências e os sentimentos dos indivíduos


O Mapa a seguir produzido por uma criança de 12 anos do sexo feminino moradora na cidade de San Lorenzo, cidade ribeirinha da Bolívia, apresenta um desenho na organização em paisagem com uma grande arvore e seus frutos, seu irmão está em baixo da árvore caminhando para uma flor, no centro do desenho está sua casa com janelas abertas grama a criança que desenhou está regando as flores, ela chama as flores de “Flores da Maria”. Na parte superior do desenho está desenhado as nuvens, cada uma com um rostinho, a que está mais próxima do sol está chorando em consequência de está eliminando água, o sol desta criança é sorridente.  Nesse aspecto, tomemos as concepções do brincar para Vygostky (1998), para o qual brincar é um ato social, pois a criança não brinca sozinha: ela tem um brinquedo, um ambiente, uma história, um colega e um professor, que media essa relação e que faz do brincar algo criativo e estimulante. Ao inter-relacionarmos o autor  Vygosty e o desenho da criança percebemos o quão significativo no ato de brincar pode ser realizado em regar de flores.

O Mapa Mental foi desenhado por um menino de 9 anos, este mapa apresenta desenho em uma única cena, um momento em que ele está pescando, em uma grama ou mato baixo, próximo a uma árvore grande. Entendemos que as representações que compõem o mapa mental, como uma expressão do vivido, de uma maneira não linear ao ato da leitura e compreensão, que possibilita uma visão do conjunto, transportando ao leitor uma autonomia para seguir diversos caminhos (RICHTER, 2011).

O que é a Fronteira para você?

Por Silene Quintão

Nosso campo foi realizado por uma equipe de pesquisadores que estudam a fronteira do Brasil com a Bolívia. A equipe se subdividiu para a coleta de informações, aplicação dos mapas, visitas e entrevistas na região.

Nossa pesquisa foi realizada em três escolas publicas da Cidade de Costa Marques– Rondônia- Brasil, ela faz fronteira com a cidade em palafitas Buenas Vistas, na região do Beni /Bolívia. Utilizamos o referencial teórico-metodológico da aplicação de mapas mentais desenvolvido pela pesquisadora Dra. Salete Kozel . Nosso objetivo foi identificar quais as Representações que os alunos moradores da região tinham da fronteira. Realizamos visitas em duas escolas na área urbana de Costa Marques e uma escola na comunidade do Forte Príncipe da Beira, para reconhecimento e entrevistas com as equipes gestoras; desenvolvendo a metodologia dos Mapas Mentais com alunos de diferentes idades. Buscamos conhecer a percepção que eles tinham da fronteira, através das narrativas dos moradores; conhecer os aspectos das interações fronteiriças; conhecer um pouco da história da constituição dos territórios nacionais fronteiriços (Brasil e Bolívia) e as ligações que se estabeleceram neste espaço fronteiriço.

Ambiente visto de frente, posicionado na horizontal com predominância de formas no espaço da Fronteira de Costa Marques (BR) e Buena Vista (BO). Os signos estão representados por linhas, objetos, figuras geométricas que representam à paisagem local (cidade) localizada a margem direita do rio Guaporé. Destaca a paisagem natural (peixes, água, árvores e sol), representa os elementos humanos em seu cotidiano utilizando o espaço como fonte de vida e sustento.

Diante do cenário observado a casa construída sobre estacas representa o espaço vivido à relação afetiva entre a pessoa e o lugar, transmite segurança, estabilidade, proteção e pertencimento. A figura dos barquinhos representa o cotidiano, meio de sobrevivência e sustento. O espaço do lazer também se encontra representado por meio da interação (jogo). Segundo Kozel (2007),os mapas mentais aqui analisados são de alunos da cidade de Costa Marques-RO, e por meio dos mapas procuramos compreender alguns aspectos das relações sociais entre brasileiros e bolivianos. É importante entender como se dá o processo de interação social entre alunos viventes na fronteira Brasil-Bolívia, uma vez que afronteira não representa a divisão entre os povos, verifica-se que eles partilham da mesma cultura e interagem entre si. A boa relação existente entre os jovens bolivianos que atravessam o rio e frequentam as escolas brasileiras é um dos pontos positivos, outro ponto forte e o comércio local boliviano muito frequentado por brasileiros não só residentes em Costa Marques, mas turistas de outros estados e municípios.  É comum encontrar produtos provenientes do comércio boliviano no lado brasileiro. Outro fator positivo é o bilinguismo presente em alguns alunos brasileiros e bolivianos. Neste contexto o mapa mental aqui representado nos revela cotidiano harmônico entre o homem e o espaço onde


O mapa nos revela os signos icônicos diversos, letras, linhas horizontais, figuras geométricas dispostas nas laterais, não há representação de elementos da natureza e humanos.

Percebe-se que algumas das representações sociais relacionam os bolivianos às práticas ilegais conforme representada na figura a cima, uma fronteira vulnerável ao tráfico de armas, drogas, contra bando de mercadorias, furto, roubos e assaltos. A vulnerabilidade da fronteira acaba beneficiando os consumidores de baixa renda que fortalecem o comercio adquirindo os mais variados produtos, desde roupas, produtos eletrônicos, fraldas entre outros com preços mais acessíveis.

Neste contexto os mapas mentais permitem entender o ambiente social do indivíduo seguindo a metodologia de Kosel.  O desenho aqui analisado reflete o viver de um grupo social, sua cultura e referência espacial do ponto de vista do aluno.

Para Kosel (2007) o espaço não é somente percebido, sentido ou representado, mas, também vivido. As imagens que as pessoas constroem estão impregnadas de recordações, significados e experiências. Tais afirmações reforçam a importância das experiências vividas e a localização do individuo no espaço. Não apenas os aspectos negativos, mas como uma forma de interação social específica.


Composição do ambiente visto de frente com linhas retas e curvas. Organização na horizontal com predominância de formas representando o espaço dos dois lados da fronteira. Presença de elementos da paisagem natural (sol, nuvens, rio, peixes, árvores). Presença de elementos da paisagem construídos pelo homem (barcos, casas, ruas).

Noção de distancia, de um lado ao outro da fronteira. Desenho bem colorido fez uso das cores seguindo as cores reais do ambiente na fronteira e do rio com águas escuras e barrentas. Os barcos como um espaço de interação e diversão entre os sujeitos fronteiriços com representação do cotidiano na fronteira.

[…] o lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de

circulação; o lugar, no entanto tem mais substancia do que nos sugere a

   palavra localização; ele é uma entidade única, um conjunto “especial”

que tem história e significados. O lugar encarna as experiências

e as aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a

ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade

concreta a ser esclarecida e compreendida sob a

perspectiva das pessoas que lhes dão significados.

(TUAN, apud HOLZER, 1999, p. 70).

O aluno trouxe em sua representação o espaço da fronteira e o sentimento de conhecimento e pertencimento do lugar onde mora, o ir e vim dos sujeitos fronteiriços naturalmente de um lado para o outro e de como ele vivencia a vida na fronteira indo para a Bolívia e voltando com as compras, pois o outro lado da fronteira é exclusivo para compras e pesca. As lojas funcionam nas próprias casas dos moradores e são construídas sobre palafitas. Um espaço que tem o comércio e a pesca como principal foco pois na parte que fica atrás dos palafitas em épocas de chuvas o rio enche e ficam alagadas.A importância do lugar torna-se referência e identidade, de compras de objetos de subsistência, de lazer, de pesca, é importante na compreensão do próprio lugar.Os símbolos ajudam a manter identidade cultural: o porto onde ficam as embarcações, mostram o espaço físico-construído e o espaço sentimental que fica agregado aquele lugar.

Os mapas mentais aqui representados possiblitaram uma análise a respeito da fronteira de Costa Marques (BR) Buenas Vista (BOL) visto através dos olhares dos alunos que moram no lado brasileiro e de sua vivência na fronteira. Apontam um caminho para diversas interpretações e ao mesmo tempo, proporcionam uma observação sensível do lugar que está impregnado de elementos subjetivos presentes no seu cotidiano.

O Lugar encerra uma multiplicidade de relações, expondo funções de uso  determinadas pelos ritmos de vida e pelas formas de apropriação do espaço a partir do corpo e de sua função social. É possível perceber a relação entre o espaço e o comportamento humano no ambiente, refletindo aspectos orgânicos, cognitivos, afetivos e simbólicos como indicadores importantes do lugar. Para Buttimer o lugar refere-se a esse espaço cotidiano em existe uma relação harmônica entre o corpo e o espaço.

O mapa mental está disposto na forma horizontal representando a fronteira das cidades de Costa Marques (RO) e Buenas Vistas (BO). Os signos estão representados por linhas e figuras geométricas. Possui elementos da paisagem natural: o rio, a água, os peixes, as árvores, sol, nuvens e elementos da paisagem construída: casas e barcos. Há presença de elementos humanos em seu cotidiano.

De acordo com a observação do mapa a aluna descreve sua visão em relação ao rio que une as duas cidades, suas experiências, as dificuldades, o tráfego e o rio como fonte de sobrevivência deixando claro sua relação harmônica com a água. A figura das casas retrata a relação afetiva com o lugar protagonizando a segurança individual sentindo-se parte do lugar em que vive.

A cultura local encontra-se influenciada pela travessia de um rio e a problemática que o cerca. Bachelarde (2008) enfatiza a poética do espaço as imagens emergidas na consciência como produto direto do coração, da alma do ser humano, o que leva o homem a uma atitude contemplativa diante do espaço e do lugar no qual vive e estabelece relações sociais.  Neste sentido o mapa descrito mostra o espaço vivido pelo sujeito, suas emoções e situações vivenciadas no cotidiano diário.

Percebemos através dos mapas mentais que a concepção de fronteira que os alunos apresentam, trazem consigo muito mais que a demarcação entre os dois países, trazem sua história, memória, cultura, sentimentos de pertencimento e estranhamento, vivencias e identidades. Nas categorias apresentadas nos mapas mentais podemos perceber que alunos Bolivianos freqüentam a escola no lado brasileiro e mantém uma boa interação e relação de segurança. Isso também ficou evidente nos alunos brasileiros que vem a fronteira naturalmente e tem impregnados em suas identidades valores, costumes, crenças baseados na cultura local formada pelos dois países. Foi possível observar que alguns alunos resumem a fronteira como o espaço territorial em que vivem enquanto outros tem uma visual mais ampla sentindo a fronteira desde as características físicas do lugar e de sua relação com o meio ambiente, dos sujeitos que compõe esse espaço, de cenas do cotidiano na fronteira até como ele se percebe dentro de todo esse processo.

 Também foi possível observar a valorização pelo espaço da fronteira como meio de subsistência através da pesca, do comércio que traz além de produtos importados com preços acessíveis aos seus moradores se apresenta como uma alternativa econômica e do empreendedorismo individual e coletivo. Os mapas mentais nos oportunizaram a compreender a relação das pessoas com o espaço vivido na fronteira e  apresentam imagens dos lugares de convivência social cheios de significados e o dialogismo do espaço com o lugar. E mesmo que a grande maioria perceba a fronteira como um local seguro e acessível foi representado também em alguns mapas mentais o medo, o contrabando de produtos, trafico de drogas e armas, o cambio negro e outros fatos negativos que estão intimamente ligados ao fluxo transfronteiriço. Outro fator que ficou fortemente evidenciado em alguns mapas mentais foi que mesmo tendo nascido em Costa Marques alguns alunos não conheciam o outro lado da fronteira tendo apenas a visão do espaço físico que liga os dois países.

Marcos indenitários da mulher ribeirinha na fronteira amazônica Brasil/Bolívia por Pricilla Carvallo

Conhecerr as experiências contidas nas narrativas das mulheres ribeirinhas é expandir para além das fronteiras amazônicas a dimensão cultural do uso do território. Construções indenitárias baseadas nos valores e conhecimentos historicamente acumulados ao longo da vida. Conhecer a dinâmica das práticas cotidianas sob a ótica da mulher ribeirinha no que diz respeito: ao casamento, ao trabalho, a religião, a saúde, a participação social e autoestima nos sugere ter em mente as representações simbólicas, os sentidos práticos colocados na vida coletiva das comunidades ribeirinhas da fronteira.

A metodologia de coleta de informações empíricas surgiu da posição etnográfica assumida pela valorização doo contato direto com o cotidiano vivido pelas Mulheres ribeirinhas, uma pesquisa de campo em que o diálogo estimulou às narrativas sobre suas trajetórias de vida. Isso permitiu a construção de um conhecimento e valorização das diversas vozes trazidas por mulheres em seus próprios espaços de convivência. Entrevistas e conversas informais que foram tecidas pelas vozes femininas, evidenciando suas diversas formas de viver e conviver em meio às águas e a floresta.


Pescando, cultivando , educando os filhos, cuidando da família, participando das práticas religiosas e festejos da comunidade. Conhecemos histórias que nos permitiram compreender, através das diversas narrativas a experiência do Ser mulher, não como categoria homogênea, mas a partir da interseccionalidade que inscreve em seus corpos as condições de classe, etnia, raça, geração, território, entre outras.

O olhar delas, por elas

É comum que se tenha a ideia de que a figura feminina é aquela que é a dona de casa, cuida apenas dos afazeres domésticos e dos filhos, ao contrário disso, atribui-se à figura masculina o papel do provedor ou aquele que cuida do sustento da família. Diante disso algumas características trazidas pelas próprias mulheres ribeirinhas nos chamaram atenção.

Casamento: As famílias caracterizam-se por serem numerosas, percebemos mulheres novas com muitos filhos. Essa é uma situação comum nas comunidades ribeirinhas bolivianas. O controle da natalidade parece não ser uma preocupação, apesar da política social do governo boliviano que oferece Implante Contraceptivo Subdérmico gratuitamente às mulheres, mas que que percebemos a maioria não utiliza. De acordo com a maioria das mulheres entrevistadas, a decisão de usar ou não o contraceptivo nem sempre fica a cargo da mulher mas do parceiro. Porém, há mulheres que não aceitam esse tipo de interferência masculina, possuem uma maior autonomia não apenas na tomada de decisão na relação conjugal, mas nas atividades comunitárias e nas decisões políticas da comunidade. São exemplos de empoderamento feminino dentro de territórios machistas e opressores.

Trabalho: Nestas comunidades o trabalho feito pelas mulheres é  de acordo com cada tipo de familia; naquelas onde o marido é o chefe da familia, a mulher surge como uma auxiliar nas atividades de plantio e colheita e onde não há a figura do homem como chefe de família, a própria mulher toma a frente dos trabalhos sendo auxiliada pelos filhos, considera-se relevante pontuar que o fato de algumas terem filhos de colo, não ficam impedidas de exercer seu trabalho, considerando que o plantio não é apenas para consumo, mas também para venda.

Religião: Em sua grande maioria a religião católica destacou-se naquelas comunidades, nas falas das mulheres, foi observada com evidencia a pratica desta religião, desde a participação nas missas às festividades dos santos dos quais são devotos.

Saude:  Por se tratar de lugares distantes de cidades, na fala das mulheres foi possível identificar que quando se trata de assuntos relacionados à saude, elas recorrem as plantas medicinais, ainda relataram que algumas vezes recebem atendimento médico quando há ações direcionadas para a comunidade em geral, mas a principal forma de combate às doenças são as plantas fitoterápicas.

Participação Social: Neste ponto a mulher destaca-se por serem maioria em presidir ou representar suas comunidades, vale destacar que seu papel ganha dimensão em suas comunidades, onde por varias situações de problemas familiares, tais representantes exercem o papel de conselheiras.

Considerações finais

Os  territórios ribeirinhos constituem espaços de confronto entre modelos econômicos, nos quais as mulheres são protagonistas que dilatam o presente, pois defendem uma tradição cultural que vem do passado, para garantir seu futuro, assim como afirma Rita Laura Segato (2011) Concentrar-se na experiência e a agência dessas mulheres a partir de seus próprios espaços de enunciação, é reconhecer sua luta contra os agentes de dominação, incluindo o Estado, principal responsável pela “manutenção do patriarcado” e pela impunidade em que a violência contra a mulher permanece.As mulheres mapeiam seus territórios simbólicos como espaços de sobrevivência. Tudo isso permite a construção de um conhecimento que nasce de um tempo compartilhado, de valorização do conhecimento ancorado na experiência das mulheres, monitorando a especificidade que pode informar uma leitura interseccional de gênero em que seus próprios espaços de convivência se torne um processo que articula longas conversas que desencadeiam palavras que são então tecidas  para que suas vozes não estejam  ausentes nos textos que, como autoras, tiveram que construir.

A PRESENTAÇÃO DO PROJETO CULTURAL MEMÓRIAS AMAZÔNICAS

O PROJETO MEMÓRIAS AMAZÔNICAS – por Liziane Ferreira Vargas dos Santos

Apresentação da Promotora Cultural Liziane Ferreira Vargas dos Santos, ela explica que o projeto apresenta o mundo vivido de comunidades ribeirinhas que estão situadas às margens dos rios Guaporé e Mamoré, na região da fronteira do estado de Rondônia com a Bolívia. Nesse trabalho vamos conhecer algumas das comunidades visitadas através dos mapas mentais, relatos, vídeos, narrativas e textos descritivos apresentados por pesquisadores das fronteiras amazônicas.